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UX na era pós-digital: o que muda?

De acordo com a rede BBC News, estima-se que cerca de 2,6 bilhões de pessoas fizeram ou estão realizando alguma forma de quarentena por conta da pandemia de coronavírus. Isso significa que um terço da população mundial sofrerá com os efeitos do isolamento social.


Em virtude disso, é possível notar uma série de modificações comportamentais – a maioria atrelada ao aumento vertiginoso no consumo de produtos e serviços digitais. Portanto, é preciso repensar o escopo da experiência digital para construir uma experiência fluida e de valor, abrangendo inclusive o nível de maturidade digital de novos entrantes.

E claro, ninguém melhor para pensar nisso do que os profissionais de user interface (UI) e user experience (UX).

A pandemia adicionou novas variáveis à equação. É preciso entender o novo contexto de atuação e repensar o valor que o UX está trazendo para os usuários nesse momento, considerando as novas demandas e urgências.

Quer saber quais serão os próximos horizontes para a experiência do usuário na era pós-digital? Então fique com a gente até o final!

UX na pandemia: o que mudou?

Quando nós vivenciamos processos, manifestamos uma inclinação de sentimento positiva, neutra/corriqueira ou negativa quando chegamos ao fim da jornada (leia: quando atingimos ou não nosso objetivo ao final da ação).

O UX estuda e molda esses processos para construir jornadas fluidas. O objetivo é que o usuário cumpra as ações que deseja com o mínimo de interrupções ou “atritos”.

Pensando em uma experiência um pouco menos óbvia – aquela que não acontece em uma tela, tenha como exemplo, uma Unidade de Resposta Audível (URA), que você entra em contato quando liga para uma central de atendimento. Você deve perceber alguns pontos de contato e tipos de interações possíveis como os listados abaixo:

  • Quais opções lhe são dadas
  • O quão rápido elas aparecem para solucionar seu problema
  • A hierarquia – se você precisa mesmo passar pela 1 para entender a 2
  • A quantidade de menus (e de sub-menus)
  • A ação que ocorre ao selecionar cada uma da opções

Tudo isso é UX.

Mas voltando ao contexto atual, com a população recolhida, nossas vidas passaram a acontecer quase que integralmente dentro de casa. Há uma ressignificação desses espaços e nossas rotinas se moldaram a um único lugar.

O que era um ambiente de relaxamento e descanso, agora também é o escritório. E vira o bar virtual das happy hours remotas. E também a escola do filho…Em vários casos, até a academia. 

Diante desse contexto, as interfaces digitais e diversas telas servem para igualar e substituir as experiências que antes eram presenciais – e recriá-las, construindo, na realidade, experiências completamente novas.

Portanto, as telas são como as “janelas”, que nos permitem o contato com o mundo exterior.

Então, o que lá de fora queremos trazer ao usuário? Que tipo de sentimento queremos que ele tenha ao interagir? Quais são as novas demandas a serem atendidas nesse contexto?

Bom UX precisa ser acessível: o bê-a-bá digital

Para exemplificar as mudanças a que os designers de interfaces devem atentar para tornar experiências mais aderentes aos diversos tipos de públicos – inclusive usuários que não são endêmicos digitais – podemos citar Jakob Nielsen.

Nielsen é um dos maiores especialistas em UX e usabilidade do mundo, e menciona os idosos como parte importante dessa nova fase da usabilidade.

De repente, os idosos passaram a ter apenas os meios digitais para realizarem uma série de tarefas cotidianas, que vão desde eventualmente trabalhar pela primeira vez remotamente até abastecer a casa, passando por todas as transações bancárias.

Antes da pandemia, essas pessoas podiam recorrer a parentes, vizinhos ou especialistas em informática para ajudá-los nesse bê-a-bá digital ou mesmo largar o smartphone e resolver tudo na rua. Mas com a restrição de circulação e o isolamento ferrenho por serem grupo de risco, eles estão por conta própria na missão de digitalizar-se.

Aí está, ao mesmo tempo, a importância e o desafio de um bom UX: tornar a experiência digital o mais fluida possível para diversos públicos.

Já pensou na facilidade que você tem para utilizar um aplicativo de delivery de comida, por exemplo? Mas e seus pais ou avós? Eles têm a mesma facilidade?

Para Nielsen, as plataformas precisam ser dramaticamente simplificadas se quisermos reduzir esse tipo de gap digital e dar autonomia para mais pessoas.

Aonte 5 mudanças que podem ajudar bastante na acessibilidade:

  1. botões maiores
  2. botões que parecem botões
  3. step-by-step ilustrado
  4. diminuir o número de opções
  5. menos informação, mais contundente

PS.: é indicado lembrar que construir interfaces com alto contraste auxiliam não só os mais idosos, mas também pessoas com dificuldade de visão. Ponto pro UX!

Reconfiguração das necessidades: novas formas de consumo

Depois de alguns meses em casa, é possível descobrir algumas informações sobre a mudança de consumo de produtos e serviços digitais. De acordo com uma pesquisa do Hollywood Reporter:

  • o consumo de videogames aumentou 75%.
  • a procura pelo Duolingo, aplicativo de idiomas, aumentou em 200%.
  • a demanda pela Netflix cresceu 52%, fazendo com que o serviço diminuísse a qualidade de transmissão para poder atender as demandas simultâneas.


Comprar pela Internet não é exatamente um hábito disseminado entre a população brasileira. Ainda assim, dados do Ecommerce Brasil mostram que o número de pedidos de alimentos aumentou em 44% (até abril) e as compras online cresceram 30% no mesmo período.

Isso exemplifica a reconfiguração das necessidades dos consumidores – que posteriormente dará origem a uma reflexão sobre prioridades de consumo.

A pandemia como experimento social

O contexto mudou. É preciso entender que continuar entregando o mesmo tipo de abordagem de antes da pandemia é tornar soluções obsoletas.

Segundo Elke Van Hoof, professora de psicologia e saúde na Universidade de Vrije, na Bélgica, a pandemia será um grande laboratório de mudanças comportamentais. Especialista em estresse e trauma, a pesquisadora toca em uma questão sensível: os fatores psicológicos devem ser considerados na hora de projetar uma interface

Você lembra da Pirâmide de Maslow, um esquema em formato piramidal que representa as necessidades humanas? A pirâmide é formada em sua base pelas necessidades mais básicas e no topo por reconhecimento social e realizações.

Ela tem um papel importante nessa explicação. O esquema abaixo representa essa hierarquia de necessidades:

  1. Realizações pessoais – criatividade, talento, desenvolvimento pessoal
  2. Estima – reconhecimento, status, autoestima
  3. Social – amor, amizade, família, comunidade
  4. Segurança – segurança da família, do corpo, da propriedade
  5. Fisiologia – comida, água, abrigo, sono

Agora repare: com um vírus à solta e a falta de uma vacina, de repente todos aqueles que estavam habituados a transitar pelas esferas mais altas, desceram algumas casas e começaram a se preocupar com a própria saúde.

O que isso implica? Muitos dados que tínhamos sobre a natureza das interações podem ter ficado obsoletos em um piscar de olhos. Vamos à um exemplo:

Você é um designer de interfaces que vai revisar a experiência de um app durante a quarentena. O que você faria?

a) Abordagem mais direta e simples, afinal, o usuário está vivendo um contexto estressante e precisa de praticidade para resolver tarefas.

b) Abordagem mais calorosa, pois há uma carência de convívio, então os usuários preferem usar seu tempo livre para explorar a interface, buscando mais imersão.

Não há resposta certa. Ambos são caminhos possíveis. Nossa dica: o Design Thinking, e sua valorosa fase de imersão, pode te ajudar a tomar essa decisão. 

User experience = user safety

A disciplina de UX vai além de projetar belas interfaces. Ela é sobre melhorar a vida das pessoas e ajudá-las a cumprir seus objetivos.

E durante uma pandemia, o objetivo principal é manter o usuário em segurança.

No momento em que um aplicativo como Ifood ou Uber Eats sugere um tipo de entrega contactless para manter a saúde de entregadores e usuários, estão dando um passo atrás e adicionam um step em seu processo – algo originalmente não recomendável, mas que constrói uma experiência mais segura.

Outro exemplo são aplicativos que utilizaram interfaces informativas para enviar uma mensagem de conscientização aos usuários – que não necessariamente tem a ver com o negócio. Isso aconteceu ao educarem sobre as medidas de combate ao coronavírus.

Esse tipo de ação pode ser considerado um nudge (que falamos um pouco no report de marketing, p.10), uma espécie de arquitetura de escolha que reforça um tipo de comportamento padrão sem proibir outras escolhas.

Geralmente, esses nudges são olhados com desconfiança pelo público geral. Mas a diferença está em fomentar comportamentos-padrão mais seguros, principalmente nesses momentos como o que vivemos, em que precisamos pensar não apenas em soluções user-centric mas principalmente human-centered.

O papel do UX no ressurgimento de produtos e serviços

Durante os próximos 12 meses, devemos voltar aos poucos às condições normais de temperatura e pressão no que diz respeito à retração das normas de isolamento social. Entretanto, alguns hábitos adquiridos durante a pandemia devem fazer parte do modus operandi do “novo normal”.

Com tantas alterações nos padrões comportamentais e consumo em tão pouco tempo – e em contextos tão complexos – a previsão para o mundo pós pandemia é que as abordagens centradas no usuário sejam cada vez mais decisivas nos negócios. Elas serão peça-chave na interpretação das novas prioridades dos consumidores.

Há correntes de pensamento que apontam um boom de investimento em tecnologia nas empresas como forma de aproveitar a característica exponencial da tecnologia para proteger-se da possibilidade de uma nova crise no futuro.

Dessa forma, as áreas de UX e UI devem conviver intimamente com tecnologias emergentes, como IoT e Realidade Virtual – uma vez que objetos inteligentes e experiências imersivas EaD podem tornar-se acessíveis em larga escala em breve.

Essa mudança trará grandes alterações em todas as etapas da jornada do usuário. Agora, os usuários não estarão mais limitados à tela do celular ou do computador. São novos pontos de contatos, novos atritos a serem descobertos. Enfim, um mundo de novas possibilidades!

Outra tendência é que a pesquisa de UX seja cada vez mais orientada por insights de dados. A regulamentação recente do Open Banking no Brasil é um indício de que as APIs abertas podem ter sinal verde em outros setores, facilitando o trânsito de informações entre empresas, que ganham insumos para desenvolver produtos e serviços mais aderentes.
A forma de trabalhar vai mudar. Os comportamentos vão mudar. Os KPIs do seu produto vão mudar. A única coisa que não se altera é a essência de uma boa experiência e os princípios do design: arquitetura de informação, composição, equilíbrio, hierarquia visual, pesquisa, legibilidade, navegação, feedback, entre outros.

E se a essência se mantiver, o papel do UX estará mais uma vez assegurado como protagonista dos negócios na era pós-digital.

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